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Regulação de plataformas digitais: como o projeto do governo dialoga com a tese do STF

Ilustração de rede social com nós conectados representando regulação de plataformas

Contexto e objetivos do projeto do governo

O governo federal prepara projeto de lei para a regulação das plataformas digitais. A proposta foca sanções administrativas quando houver descumprimento generalizado de deveres de moderação e segurança e indica a ampliação do papel regulatório hoje exercido pela ANPD, com competências estendidas para serviços digitais. O desenho mira casos sistêmicos, não episódios isolados, e prevê gradação de penalidades, incluindo multa sobre faturamento no Brasil e suspensão em cenários graves.

Tese do STF e efeitos na responsabilidade das plataformas

Esse movimento chega logo após o Supremo redefinir, em 26 de junho de 2025, o regime de responsabilidade civil das plataformas. O STF declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet e fixou parâmetros mais exigentes, como a remoção ágil de conteúdos evidentemente ilícitos, a possibilidade de responsabilização sem ordem judicial prévia em hipóteses definidas e o foco em falhas sistêmicas de moderação. Não foi adotada, porém, a responsabilidade objetiva como regra geral.

Em determinado aspecto, projeto de lei e tese do Supremo partem da mesma lógica: um incidente isolado não basta para punir; o gatilho é o desempenho do sistema de prevenção e resposta.

Transparência e publicidade

O texto do governo também inclui deveres reforçados e exigências de transparência. Há indicação de que a compra e venda de anúncios direcionados ao mercado nacional deverá ser faturada no Brasil, com identificação do anunciante, do público e dos critérios de segmentação.

ECA Digital (PL 2.628) e proteção de menores

Outro ponto relevante é a relação com o PL 2.628, que trata da proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais, o chamado ECA Digital, aprovado pela Câmara dos Deputados em 20 de agosto de 2025 e atualmente em análise no Senado. Entre as medidas, permanecem a vinculação de contas de menores a responsáveis, mecanismos de verificação de idade e ferramentas de supervisão parental.

No plano prático, o projeto prevê que plataformas deverão documentar governança de riscos, métricas de eficácia da moderação, trilhas de auditoria e revisão humana em áreas sensíveis. Anunciantes e agências deverão se adaptar à maior transparência e, possivelmente, ao faturamento local de campanhas direcionadas ao Brasil. Para o regulador, o desafio será unir capacidade técnica, independência e diálogo institucional com órgãos como Cade, Anatel, Ministério da Justiça e Ministério Público, evitando sobreposição de competências e garantindo previsibilidade.

Modelo híbrido e próximos passos

A combinação de parâmetros judiciais e aplicação administrativa indica um modelo híbrido. A tese do STF reorganizou o piso da responsabilidade civil; o projeto do Executivo busca instalar um teto regulatório com instrumentos graduais e foco em desempenho sistêmico. A efetividade dependerá de definições claras sobre o que configura descumprimento generalizado, prazos de resposta, critérios de auditoria e canais de defesa.

*Artigo escrito por Mauricio Vedovato, sócio da área Empresarial do HRSA.

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