A nova lei que institui o ECA Digital redesenha responsabilidades de quem oferece serviços online utilizados por crianças e adolescentes no Brasil. O texto aprovado da Lei 15.211/2025 impõe uma série de deveres a provedores de aplicativos, jogos, redes sociais e outras plataformas, fixando prazo de seis meses para sua adequação e centraliza a fiscalização na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que passa a expedir normas e coordenar a atuação com outros órgãos.
A lei combina princípios de proteção com exigências de engenharia e de operação. Produtos e serviços precisam demonstrar prevenção por desenho padrão, configurar privacidade e segurança em nível mais protetivo para perfis de menores, disponibilizar ferramentas úteis e fáceis para supervisão parental, manter rotinas ágeis de resposta a conteúdo ilícito e observar limites específicos para tratamento de dados e publicidade direcionada a esse público.
Verificação de idade: do que a lei precisa
A verificação de idade sai do terreno da confiança no usuário e passa a requerer métodos eficazes e proporcionais ao risco. Dessa forma, a mera declaração do usuário não atenderá os requisitos legais. As empresas deverão revisar fluxos de cadastro, autenticação e revalidação, selecionar técnicas adequadas ao contexto, por exemplo, sinais fornecidos por lojas de aplicativos ou sistemas operacionais, validação documental com minimização de dados, checagens com terceiros confiáveis, e registrar as razões de escolha para fins de prestação de contas.
Impactos em jogos e publicidade do ECA Digital
O impacto alcança áreas sensíveis do ecossistema digital. Contas de adolescentes de até 16 anos em redes sociais deverão estar vinculadas aos seus responsáveis legais, o que deverá exigir ajustes de onboarding, consentimento e controle de acesso. Em jogos eletrônicos, as “caixas de recompensa” passarão a ter restrições severas no que toca ao acesso por menores, com reflexos em mecânicas de monetização e em classificação indicativa. Publicidade comportamental baseada em perfil de crianças e adolescentes fica vedada, o que demanda auditoria de SDKs, redes de anúncios e contratos de mídia.
Fiscalização e sanções pela ANPD
A ANPD passa a atuar como autoridade responsável para zelar pela aplicação da lei, editar regulamentos e instaurar processos sancionadores. A cooperação com outras entidades (como a Anatel e o CGI) permanece para medidas técnicas específicas, como ordens de bloqueio em infraestrutura de telecomunicações, sem fragmentar competências.
Entre as possíveis sanções para o descumprimento da lei, estão previstas advertências com prazo para correção, multas que podem alcançar até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil ou R$ 50 milhões por infração e suspensão ou proibição de atividades. A gestão do risco jurídico passa, portanto, por decisões de produto e também por documentação de processos, auditorias e registros de eventos relevantes.
Como iniciar a adequação ao ECA Digital
O dever de implementação em seis meses pede planejamento objetivo. Empresas que operam múltiplos aplicativos ou linhas de produto tendem a começar por um diagnóstico de exposição a menores por jornada, seguido de um plano de ação com responsáveis claros e marcos periódicos. As frentes de trabalho deverão incluir substituição de mecanismos frágeis de checagem etária por alternativas robustas, configuração de padrões mais rígidos para contas de menores, disponibilização de um painel parental que permita controle, gestão de tempo e visibilidade de interações sensíveis, atualização de políticas de comunidade e termos contratuais, revisão de integrações com parceiros de ads e analytics, desenho de procedimentos de denúncia, remoção e resposta, além de métricas e logs que permitam comprovar conformidade.
A abrangência da lei não fica restrita a redes sociais de grande porte. Provedores de aplicações de internet, softwares, sistemas operacionais, app stores, jogos eletrônicos conectados à internet e qualquer aplicação com “acesso provável” por menores entram no escopo. Negócios que assumirem, sem evidência, a inexistência de usuários menores passam a carregar ônus probatório e risco regulatório.
A agenda regulatória seguirá com normas complementares e guias técnicos da ANPD sobre métodos de verificação de idade, proporcionalidade de técnicas, minimização de dados e critérios de supervisão parental. O acompanhamento próximo dessas publicações e participação em consultas públicas ajudam a calibrar soluções técnicas antes de escalar mudanças para toda a base de usuários.
Dessa forma, para as empresas do setor, a adequação deve ser tratada como projeto prioritário nos próximos seis meses, inclusive porque o Ministério Público Federal já declarou que acompanhará as medidas tomadas pelas plataformas digitais para cumprir o ECA Digital.
O que acompanhar na regulamentação
O plano pode começar por um diagnóstico por produto e por funcionalidade para mapear a exposição de menores e pontos de risco. Na sequência, é essencial substituir a autodeclaração por métodos confiáveis de verificação de idade, reforçar padrões de privacidade e segurança para contas de menores, disponibilizar supervisão parental efetiva, revisar contratos e integrações com adtech, SDKs e analytics, atualizar políticas de comunidade e fluxos de denúncia e remoção, e organizar registros e métricas que sustentem relatórios de transparência e eventuais auditorias.
A preparação para a atuação da ANPD, com documentação técnica e trilhas de decisão bem registradas, reduz o risco de sanções, evita interrupções de serviço e sustenta uma experiência responsável para crianças e adolescentes.