Com a Resolução CMN 5.197/2024 em vigor desde 1º de julho deste ano e o Banco Central orientando o mercado nas últimas semanas, as garantias imobiliárias “em camadas” deixaram a teoria e passaram a fazer parte do repertório das instituições. O desenho regulatório permite que um mesmo imóvel sirva de garantia em mais de uma operação de crédito, com parâmetros claros para convivência entre credores e para a ordenação da execução quando houver inadimplência. A oportunidade é real, mas só se traduz em segurança quando contratos e registros estão alinhados e com seus termos jurídicos interligados.
O que exatamente a Resolução 5.197/2024 traz
Agosto marca o primeiro ciclo de operações estruturadas integralmente sob esse novo regime, enquanto ajustes recentes no funding via LCI e LCA começam a valer e influenciam preço, prazos e janelas de captação. Esse pano de fundo conecta o tema de garantias à dinâmica de custo de crédito e ao apetite de risco, pressionando times jurídicos e de negócio a revisarem modelos e rotinas com rapidez, sem perder precisão técnica. O movimento é positivo quando a engenharia financeira anda junto com a precisão documental.
A modernização do registro de imóveis avança no mesmo contexto, com diretrizes nacionais que buscam padronização digital e maior integridade das informações. A prática registral, nesse contexto, vira parte da governança operacional: de nada adianta um contrato brilhante se a prioridade não fica evidente na matrícula, se a extensão do ônus gera leitura ambígua ou se as averbações não refletem o que as partes efetivamente pactuaram. A experiência recente ensina que prazos, exigências e formatações variam entre serventias, o que recomenda planejamento realista e diálogo técnico desde o desenho da operação.
A regulamentação do CMN não inova na possibilidade de uso sucessivo do mesmo imóvel, já prevista pelo Marco Legal das Garantias, mas remove arestas que travavam a execução e a renegociação quando havia mais de um credor sobre o bem.
Contratos: respostas claras que governam o comportamento da operação
Do ponto de vista contratual, o cuidado não está em listas exaustivas de cláusulas, e sim em respostas claras às perguntas que determinam o comportamento da operação. Quem efetivamente tem precedência e em quais condições essa ordem pode ser afetada, como se encadeiam notificações e prazos de cura, de que forma se materializa a execução e como o produto é distribuído entre os credores ao longo do processo.
Registro: o contrato precisa “aparecer” na matrícula
A documentação só cumpre seu papel quando conversa com a realidade registral. A prioridade declarada no papel precisa surgir com nitidez na matrícula; as remissões às averbações devem ser objetivas; e os limites de cobertura não podem depender de interpretações paralelas. Em operações que correm em mais de uma praça, a variação de procedimento entre cartórios exige revisões de forma e cronogramas compatíveis com a prática local. É nesse encontro entre norma, contrato e registro que as “camadas” deixam de ser um risco potencial e se tornam uma ferramenta de eficiência.
Avaliações atualizadas, seguros compatíveis com o risco e canais de comunicação bem definidos entre jurídico, produto, risco e registro reduzem desencontros e ajudam a manter previsibilidade ao longo da vida da operação. Alterações como adições de dívida, mudanças de prazo ou reforços de garantia merecem o mesmo padrão de formalização da contratação original, com instrumentos próprios e correspondente publicidade registral, para preservar a prioridade e afastar passivos ocultos.
Resultado prático
O avanço regulatório oferece uma janela concreta para ampliar crédito com responsabilidade. Transformar essa janela em resultado exige um equilíbrio simples: contratos que respondem ao essencial com clareza, registros que espelham com fidelidade o que foi negociado e disciplina mínima para manter as “camadas” sob controle ao longo do tempo. Quando essas peças se encaixam, a operação anda, o custo cai e a previsibilidade aumenta; quando se desencontram, o benefício prometido se perde em exigências e litígios.
*Artigo escrito por Thomaz Whately, sócio da área Imobiliária do HRSA.